segunda-feira, 17 de março de 2008

Carlinhos a Fotografia de uma Vida.





O MERGULHO


Carlinhos Alcântara deu um grande salto em sua vida ao descobrir a fotografia. Quando tinha 16 anos, em Nilópolis no Rio de Janeiro, caiu em suas mãos uma máquina de plástico de nome Flika para que ele queca pudesse fazer suas descobertas. Aquela câmera para ele era a melhor do mundo. O que ele queria mesmo era fazer fotografia, aprender a "bater foto". No começo fazia fotos de seus irmãos menores e aos poucos foi fazendo foto até de cachorro na rua e de avião que passava. Ele ficava sempre com a maquina na mão e nada escapava aos seus olhos.Gastava muitos rolos de filmes 120 e nunca freqüentou sequer um curso de fotografia.

Aprendia praticando, como a maioria dos fotógrafos. Um dia, um amigo lhe trouxe uma Olympus Pen 35 mm, daquelas que dobravam o numero de chapas de 36 para 72 fotos. Desta forma ele podia fazer mais fotos do que quando usava os rolos de filmes 120 da Flika.

A trajetória deste salto e aprendizagem foi bruscamente interrompida no dia 15 de abril de 1972 quando um acidente mudou completamente a sua vida. Carlinhos fez uma viajem para o interior do Ceará para conhecer uns parentes quando um mergulho mal dado num rio lhe fez sofrer um acidente medular que tirou todos os movimentos do seu corpo. Carlinhos se tornou tetraplégico aos 17 anos. O salto se transformou em mergulho. Um mergulho tão longo e escuro que ele nem poderia imaginar. O médico que o atendeu inicialmente no Ceará disse que ele teria que se conformar, fazer muita fisioterapia e ter muita paciência para enfrentar uma nova experiência de vida que começava. Assim mesmo, após o desanimo inicial, começou com as massagens e alguns exercícios sempre pensando muito em suas fotos e seus amigos. Seu maior conforto de vida foi dado por sua mãe. Suas orações e a dos amigos parece que foram escutadas por Deus.

Carlinhos foi transferido para Brasília para Hospital Sarah, o maior centro de reabilitação do país o e a sua vida mudou. Começou seu tratamento fisioterápico e sabia que tinha muito que fazer para recuperar seus movimentos. Passou dois anos neste centro e com muito esforço conseguiu recuperar os movimentos dos seus braços. Durante esse período no SARAH, algo que ele tinha deixado para trás lá no Rio de Janeiro lhe chamou a atenção. Todos os dias pela manhã a enfermaria era invadida por médicos com suas possantes câmaras fotográficas. Ele nunca tinha visto tanta sofisticação em sua vida. Eram todos cirurgiões que faziam fotos antes e depois do ato cirúrgico. Carlinhos estava sendo estimulado a reaprender a fotografar e descobriu que tinha um laboratório fotográfico no SARAH. Fez amizade com o fotografo do hospital chamado Carlos e mostrou o seu interesse pela fotografia. Com total apoio do diretor presidente do SARAH, Dr. Campos da Paz, passou a freqüentar o laboratório depois da fisioterapia . Nesta época ele vivia deitado numa maca que era seu transporte oficial – ainda não podia sentar. Observando deitado o trabalho do laboratório, ele começou a aprender como se revelava filmes e como fazia as ampliações em branco e preto. Carlinhos nunca tinha entrado em um quarto escuro.

Quando começou a sentar na cadeira de rodas, passou então a fotografar com uma maquininha kodak argentina fazendo fotos dos colegas de enfermaria e também dos jardins do hospital . Um dia se internou no SARAH um fotografo do jornal Zero Hora, chamado Roni Paganella, que era paraplégico e mesmo assim ainda fotografava. Carlinhos pensou então: "se ele pode fazer fotos sentado porque eu também não posso?" Ficaram bons amigos. Roni tinha uma Pentax, mas naquela época Carlinhos ainda não podia segurar uma maquina tão pesada.. "As vezes ele queria deixar a sua câmera comigo mas não dava, eu não agüentava o peso, mas ele me ajudou muito e me encorajou ", lembra.

Carlinhos foi adquirindo muito conhecimento até que teve alta e foi para casa já em Brasília. Lá ele montou seu primeiro laboratório. Também conseguiu comprar sua primeira maquina uma Yashica Tl.35. Com ela passou a fotografar as pessoas mais próximas e assim ele fez seu retorno à fotografia. Comprou um tanque fácil de manusear e passou a fazer suas revelações. Assim que chegava ia rapidamente revelar os seus filmes preto branco. Tempos depois a família de Carlinhos se mudou para Fortaleza. Em 2000, Carlinhos estava com sua câmera, na cadeira de rodas na rua, perto de sua casa no bairro Messejana em Fortaleza Ceará, fotografando, em plena luz do dia quando duas pessoas de bicicleta o aboradaram e roubaram a sua câmera Nikon N70 com a lente zoom 35/70mm. Amigos do Brasil todo quando souberam, se uniram, fizeram uma “vaquinha” e mandaram para ele uma câmera Canon Elam e uma bolsa cheia de filmes.

A luz da fotografia clareou a escuridão de seu mergulho. Mais de trinta anos depois do acidente Carlinhos exibia cada vez mais sua força de vontade: - “A fotografia corre no meu sangue 24 horas por dia. Consegui vencer minhas dificuldades, posso fotografar e me sentir gratificado em poder mostrar meus trabalhos. Hoje estou fazendo o que mais gosto”, desabafava. Carlinhos Alcântara fotografava com dificuldade devido a grande limitação de movimentos nos braços e nas mãos. Ele trocava o filme com a ajuda da boca e para fazer foco, só com câmeras auto-focus. Carlinhos revelou em seus retratos a simpatia com a qual cativava seus modelos. Seu jeito de se aproximar à sua "presa” e de, mesmo sem pedir, receber o consentimento silencioso, fazia com que suas fotos fossem "clicadas” com muito carinho e emoção. Infelizmente Carlinhos nos deixou em 2004, aos 48 anos, mas deixou uma obra maravilhosa. Um de seus últimos trabalhos foi um belíssimo ensaio fotográfico sobre Conjunto Palmeiras, uma comunidade perto de sua casa que ele freqüentava., Suas fotos apresentam um brilho e uma composição especiais, que só a experiência de vida e força de vontade de Carlinhos Alcântara poderiam criar.


texto por André Dusek

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Nosso colaborador Luiz Alves, traz ao blog uma bela matéria sobre a grandeza da fotografia, que ajuda no restabelecimento de nossa mente e corpo.

Agradecimentos ao André Dusek e Luiz Alves.


Alessandro Souza

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